“Uma vez teve uma reunião no DNIT (…), disseram que nós somos invasores. Nós somos invasores por que? Porque a própria ferrovia foi que deu a primeira moradia, (…) ela própria construiu a primeira moradia em Frexeiras, que tem 80 anos. (…) Se a gente é invasor, por que não colocaram fiscais para dizer que a gente não podia? Aí dizem, ‘eles sabiam’. Eu tenho minha casa lá e eu não sabia que eu não podia fazer”.
Já a representante da Comunidade da Linha, no bairro do Ibura, no Recife, Terezinha Francisca de Jesus, afirmou que as ações judiciais são realizadas de forma separada para enfraquecer a ação coletiva, e relatou que as famílias que lutam pela manutenção da moradia são formadas, em grande parte, por mães, idosos e doentes.
Em nome da Transnordestina Logística, o gerente de Patrimônio, Regulação e Relações Institucionais, Roberto Jorge Vieira, explicou que há duas ferrovias com situações distintas no Estado. Por um lado, existe o projeto inconcluso da nova Transnordestina, que está sendo construída a partir de Salgueiro, no Sertão Central. O gestor argumenta, no entanto, que as famílias em questão residem às margens de uma outra ferrovia, a Tronco Sul. Essa infraestrutura, construída pela antiga Rede Ferroviária Federal, passa por dentro de núcleos habitacionais, está abandonada em vários pontos e foi privatizada em 1997.
Roberto Vieira argumenta que a empresa é obrigada, pelo contrato de concessão, a ingressar com ações de reintegração de posse nas margens da Tronco Sul, o que só poderia ser evitado pelo Governo Federal. “Na verdade, a gente é obrigado a entrar com essas ações por proteção da faixa de domínio. A Ferrovia Transnordestina Logística não tem essa autonomia de usar, gozar e dispor da faixa de domínio como bem entender. (…) As linhas hoje compõem o Sistema Nacional Ferroviário, e toda linha férrea só pode ser retiradas com (…) o Governo Federal adentrando no assunto e dizendo que aquela malha não compõe mais o Sistema Ferroviário Nacional”.
No mesmo sentido, o supervisor do escritório do Recife da Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, Antônio Pereira de Jesus, alegou que cabe à União resolver o problema como uma questão de política pública.
Do ponto de vista jurídico, o defensor público da União, André Carneiro Leão, defendeu a aplicação da medida provisória 2.220 de 2001, que determina o direito de uso daquele que já ocupa imóvel público por pelo menos cinco anos para moradia própria. Ele considerou inadequadas as decisões, por parte do Poder Judiciário, que ignoram esse dispositivo e o direito constitucional à moradia e informou que irá ajuizar uma ação para suspender os processos de reintegração enquanto não há um projeto concluído para uso das ferrovias em questão. Além disso, o direito ao reassentamento das famílias que forem removidas foi defendido pela representante da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, Ana Fabíola Ferreira.
A importância da mobilização comunitária foi enfatizada por João Paulo, do PT, e Carol Virgulino, co-deputada do mandato Juntas, do PSOL. “Temos muito a trabalhar (…), só que vocês têm um papel fundamental, que é acordar (…) Jaqueira, que é acordar Palmares, e que na próxima audiência a gente não caiba nesse plenário”.
A presidente do Colegiado de Cidadania, Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas, do PSOL, lembrou que o déficit habitacional de Pernambuco é de mais de 326 mil residências, situação que só não é mais grave graças à lei, de autoria própria, que suspende reintegrações, despejos e remoções durante a pandemia. Ela ainda anunciou, como encaminhamentos do encontro, a criação de um Grupo de Trabalho para tratar do tema, com participação de diversas instituições, incluindo o Ministério da Infraestrutura; a apresentação do projeto da nova Transnordestina; e a articulação, junto à bancada federal de Pernambuco, para que seja realizada uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados.